Críticas – Longa-metragem | 5ª edição

Sobre a crítica

Fabiana Lima (@cinemafilia) é crítica de cinema e criadora de Conteúdo desde 2019 primeiramente no Instagram, onde por meio da sua página publica críticas sobre filmes e séries além de postagens especiais que incluem artigos diversos os quais que relacionam, dentre muitas temáticas, o Cinema com a Música, Moda, Maquiagem e, principalmente, com temáticas sociais e, ano passado, se tornou colunista de um dos maiores veículos de entretenimento, o site Cinem(ação) que possui cerca de 50 mil acessos mensais. Foi crítica oficial da Mostra Novo Cinema Maranhense, em 2019, do Festival de Cannes, na França, em 2022 e 2023 e do Festival Guarnicê também em 2022 e 2023. Além do Festival Internacional de Cinema do Rio, ano passado.


Os Fãs Mais Rebeldes que a Banda

Dirigido por Chris Araújo, João Luciano e Tamires Cecim

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A adolescência é mesmo um momento ímpar e, por essa razão, tão fascinante. Obras coming of age tendem a receber um lugar cativo no meu coração, ainda mais quando a narrativa é bem sucedida em transmitir para o espectador os processos que estão presentes nessa fase, quais sejam a busca pela própria identidade, sentimento de pertencimento e a vontade de transgredir. 

Desde os divertidos filmes de John Hughes nos anos 80 (Curtindo A Vida Adoidado) até os mais dramáticos do cinema contemporâneo (Moonlight), obras que abordam a complexidade do ato de crescer constroem um subgênero cinematográfico bastante popular e, acredito eu, porque não existe ninguém que não consiga se identificar com os conflitos existenciais sofridos por um adolescente – ou mesmo por um jovem adulto. Quando bem trabalhada, essa identificação cativa o público em um nível bastante pessoal e foi isso que eu senti com Os Fãs Mais Rebeldes que a Banda.

O meu último ano do ensino médio, como deve ter sido o de todos aqueles que já passaram por esse momento, já nasce em contradição. Por um lado, o sentimento de felicidade por estar saindo dessa fase é gratificante. Por outro, a sensação de desespero e incerteza pelo que o futuro aguarda é simplesmente devastadora. Durante mais de 10 anos o seu mundo se resume às amizades e interesses que você cultivou nessa fase específica, o que significa que sair desse universo é começar um novo momento, um novo mundo cheio de novas oportunidades para se conhecer fora do que sempre lhe fora mais confortável. 

Desde a primeira cena, o longa já estabelece a escola como o ambiente central da maioria dos seus eventos. O monólogo da protagonista, o qual descobrimos posteriormente se tratar de um evento que não acontece, senão dentro da mente da personagem, é chave para nos situar desde cedo no estado mental daqueles personagens, especialmente dada a fase que estão passando. Em uma primeira análise parece muito simples, mas do ponto de vista do roteiro, é uma cena fundamental para capturar esse sentimento de revolta e pessimismo o qual irá permear todos os demais acontecimentos do filme dali em diante. 

A começar pelo fim da banda Príncipe no Exílio. Esse momento representa, como uma alegoria, a inevitável ruptura que irá acontecer entre esses quatro amigos, após a radical mudança de vida que todos estão prestes a passar. Particularmente acho interessante que o filme se utilize da música como causa para criação de vínculos profundos entre os personagens, pois é claro que as artes permitem aos jovens encontrarem seus interesses, se organizarem em grupos e se reconhecerem uns nos outros nessa fase da vida.

A música é, na verdade, fator primordial para o filme, o qual se desenvolve a partir de momentos musicais, também. Essa inserção de um aspecto musical confere à obra momentos de conexão, divertidos e propositalmente artificiais, os quais contrastam com os momentos mais dramáticos da obra gerando certo estranhamento algumas vezes, porém sendo são igualmente importantes para o desenvolvimento da história. A direção arrisca em vários momentos, incluindo uma metalinguagem que irá permitir a quebra da quarta parede em uma cena surpreendentemente engraçada entre Parvati e a psicóloga da escola. 

No meio tempo, o filme ainda arranja maneiras de conscientizar o espectador politicamente, seja através do próprio texto ou do subtexto que o irmão do personagem Baby carrega. Não vejo como um filme ambicioso, ao passo que não penso que almeja ser. No final, trata-se de uma obra para divertir o espectador ao mesmo tempo que o leva a enxergar-se em cada um dos conflitos vividos pelos personagens, seja os que estão vivendo a mesma fase ou os que já deixaram esse momento para trás, mas que reconhecem os sentimentos vividos ali, passe o tempo que for.

De Repente Drag 

Dirigido por Rafaela Gonçalves

De Repente Drag é um filme sem precedentes na história do cinema maranhense. Dirigido por uma mulher negra e queer, além de propor abordar uma temática LGBTQIAPN+ dentro do universo da arte drag, o longa tem uma história fora das telas que é, de fato, bastante significativa com prêmios e reconhecimento nacional. Contudo, revendo o filme a fim de escrever este texto, me peguei pensando: até que ponto o convencionalismo da forma e o excesso do uso de arquétipos em seu roteiro conseguem traduzir para dentro do filme essa importância que a obra parece ter fora das telas?

A verdade é que De Repente Drag, enquanto obra, parece ter uma limitação delicada a qual não consigo identificar ao certo se vem de uma intencionalidade do roteiro ou de uma estratégia comercial. Explico, o longa de Rafaela Gonçalves é competente, mas é isso. O filme se pauta em uma mensagem importante de auto aceitação, mas é basicamente o que se propõe a ser, do início ao fim. Suas escolhas de roteiro, que se baseiam majoritariamente no uso excessivo de arquétipos enfadonhos e já vistos em ao menos uma dezena de outros filmes (o protagonista bobão e heróico, a melhor amiga que o guia, o interesse amoroso que nunca dá certo, a vilã de filmes da Disney e sua ajudante um tanto tola, a reviravolta ao final), vão na contramão da ideia de uma possível disruptividade do seu tema e se tornam, puramente, mecanismos didáticos dentro de uma trama que parece mais querer educar seu espectador que desenvolver seus personagens. 

As escolhas formais seguem a mesma lógica e à exceção de uma cena ou outra a direção faz questão de permanecer linear, carecendo de um aspecto mais interessante que possa instigar o espectador a ir além. Diante das inúmeras possibilidades oferecidas por um universo tão rico, o filme não sabe se entregar inteiramente ao caricato e tenta balancear o drama com momentos de escracho sem tanto sucesso, ficando assim em cima do muro. Em suma, eu acredito que falte à De Repente Drag uma personalidade mais agressiva, algo que pudesse exceder os limites do brega, do camp e até, quem sabe, explorar um lado mais kitsch à la Almodóvar. 

O filme é limpo, linear, esteticamente confortável e conciliador até demais. Tudo isso, para uma obra que se passa dentro de um universo tão interessante, é desanimador. Ver que este não se propõe a sair da caixa (inclusive por escolher um personagem principal cisheteronormativo para passar por uma mudança de “olhar”) e absorve uma estética estéril, tanto na forma quanto no roteiro, torna difícil para nós, enquanto espectadores, acreditar na credibilidade da sua narrativa. 

Apesar disso, De Repente Drag tem sim bons momentos os quais percebo que em sua maioria se pautam muito em um humor mais regionalista e nichado, o qual nos diverte por trazer de volta à memória filmes como Cine Holliúdy (2012), Muleke Té Doido (2014) e Ai Que Vida (2008). A apresentação das drag queens no show final, a referência ludovicense ao episódio que viralizou com o repórter Douglas Pinto e a introdução de piadas do mundo LGBTQIAPN+ como o fenômeno do rebuceteio e do anel de tucum são engraçadas e funcionam. 

Finalmente, considero esse filme como uma semente que foi plantada pela diretora e acredito que de onde veio De Repente Drag ainda existe muito mais que pode ser apresentado em trabalhos futuros. Como primeiro longa, talvez o ímpeto de buscar uma abordagem mais comercial fez com que a obra perdesse parte do seu potencial de arriscar-se. Mas, repito, ainda é competente e divertida. Só não tão empolgante.